quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Epistemologia

























No século XIX o Teólogo calvinista Charles Hodge observou que toda teologia é de certa forma uma filosofia. 
Apesar disso, a teologia nas escolas abrange apenas uma noção bastante superficial da filosofia. 
Há uma mentalidade entre os evangélicos, sobretudo entre os conservadores de que existe uma advertência bíblica acerca desta matéria. 
O Apóstolo Paulo na sua carta aos cristãos de Colossos escreve: “Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo” (Cl 2:8). Isso é interpretado como uma condenação geral da disciplina como um todo. Porém não tem como dissociar a teologia da filosofia.

Todos os estudantes da bíblia e os teólogos operam numa cosmovisão filosófica. 

Consciente ou inconscientemente, a filosofia e a cosmovisão formam nossa compreensão de Deus e a Bíblia. Apesar disso há resistência em muitos seminários de incluir a filosofia na sua grade curricular. 

O Ibicamp,(Instituto bíblico de Campinas) por exemplo, só colocou esta disciplina no curso de bacharel em 2011. 

Na verdade sempre houve uma discussão sobre a possibilidade de ter ou não uma filosofia chamada cristã. Assunto debatido por Tomás de Aquino e outros grandes filósofos cristãos do passado. Mas foi só no século XIX que o teólogo católico Etienne Gilson deixou claro a compatibilidade entre as duas disciplinas. Citando o próprio Aquino que disse que a filosofia é serva da teologia. Pois num sentido geral a teologia manipula a mesma ferramenta que o filósofo utiliza em seu trabalho: o pensamento. Portanto ninguém pode nos furtar: há uma filosofia cristã.

É bom nos conscientizarmos, que todo aquele que se aventura no campo da teologia, ou aspira ter um ministério eficaz na igreja, precisa ter pelo menos um conhecimento elementar de outras disciplinas. Como por exemplo: antropologia, sociologia, história. Mas principalmente a filosofia.

A epistemologia, tema proposto neste artigo, vem de duas palavras gregas ( “episteme” que sig. “ciência”, e “Logia” que sig. “estudo”), é um ramo da filosofia muito utilizado pelos teólogos. A epistemologia é a ciência que estuda a origem, a natureza, validade e limites do conhecimento. É uma investigação que se faz para saber como o que conhecemos hoje chegou até nós, e se por acaso eu posso defender ou contestar tudo isso. Em síntese a epistemologia explica: “como sabemos o que sabemos”.
Por esta e outras razões que se faz necessário a filosofia no campo da teologia. 

O objetivo central dessa reflexão é chegar exatamente a pergunta epistemológica: Será que aquilo que sabemos, cremos e praticamos atualmente corresponde a verdade no que se refere a vida cristã? Pois hão de concordar comigo de que qualquer estudo, ainda que superficial, sobre a história da igreja, conclui que sistemas teológicos vem e passam, nascem e morrem, as vezes num curto espaço de tempo. Que costumes ou hábitos comuns de grupos ou de uma sociedade estão sempre condicionados à alguma época ou cultura. Que doutrinas e dogmas que não admitia nenhum tipo de contestação, hoje se tornaram obsoletos. Ou será possível ignorar as importantes ponderações dos pensadores do período do iluminismo que solapou certezas cristãs até então tidas como inabaláveis? e que colocou a igreja num dilema que ela jamais poderia prever? 

Seguindo esta tendência, da qual bem falou Arnoud Toyenbee, que quando um sistema teológico desaparece, surge outro em seu lugar, não é nenhuma façanha prever que nas próximas décadas, estudantes de teologia situarão o pentecostalismo na história, como mais um movimento que surgiu, teve sua validade para determinadas gerações, mais como qualquer tradição, cedeu lugar a uma outra. Isso fica evidente quando o diagnóstico apura sinais de enfraquecimento do pentecostalismo. Sobretudo com a deflagrada e famigerada crise entre as ramificações do movimento. 

Não seria nenhum absurdo prever que o cristianismo reformado, dentro de pouco tempo se submeterá a uma nova reforma. Aliás, as articulações em âmbitos ainda abscônditos já começaram a serem feitas. Já quem sabe com um ideal longe do status de religião no qual foi transformado o cristianismo. Pois como disse Barth: "A religião é uma fábrica de ídolos". E quem sabe também, o "novo reformador" tenha ainda que seja, um lampejo do espírito iluminista, e se disponha a se abrir ao diálogo inter religioso.
Para finalizar, não estou com esta dissertação apresentando uma visão cética, ou colocando em cheque doutrinas válidas para a fé cristã. Mas sim levantando a possibilidade de que talvez, muitas de nossas certezas, com aparente lógica, não passam na verdade de mais um entre tantos axiomas cristãos.

A sensatez nos adverte que devemos refletir acerca de tudo o que nos for ensinado antes de qualquer ideia tornar-se em um dógma. 

Afinal de contas, Deus nos convida: “Venham, vamos refletir juntos”. (Isaias 1: 18)

Por Donizete.

15 comentários:

  1. Doni, como já escrevi outras vezes nossas certezas são frágeis e se desmontam com facilidade diante das contigências.

    O texto sugere “como sabemos o que sabemos", em grande parte não passa de mera especulação que com uma boa dose de contundência e persuasão por parte do proponente acaba se tornando verdade absoluta.

    Particularmente creio que não só a filosofia bem como outras disciplinas são importantes não para fundamentar uma "verdade absoluta insofismável" mas para oferecer novas perspectivas de leituras e interpretações dos fatos e valores.

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    1. O problema Franklin, reside exatamente em torno da questão "verdade absoluta". Cada tradição religiosa ou doutrinária toma para si a prerrogativa de serem portadores dela. Então cabe a alguém a responsabilidade de "investigar" com quem de fato está a tal.

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  2. Pois é, Doni; não por acaso, foi no meio pentecostal onde a filosofia mais foi defenestrada como algo "de homens" e perigoso à fé. Ignoraram que o cristianismo teve grandes filósofos e que grandes filósofos pensaram o cristianismo e a questão de Deus.

    Estou lendo agora um interessante livro que fala sobre as experiências religiosas no cristianismo primitivo e o interessante é que a marca desses primeiros cristãos era a mística(ou contextualizando, uma marca pentecostal, baseada em carismas) e não o pensamento filosófico ou especulativo. Os judeus sempre foram muito práticos em sua religião.

    A filosofia não é imprescindível para uma experiência mística, mas a filosofia não deixa de ser imprescindível para entender tal experiência.

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    1. Doni, as fotos continuam sem aparecer. Esquisito...

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    2. Pois é Edu. Não tem quem faça elas aparecerem de novo!

      Edu, tanto o filósofo como o teólogo utilizam a mesma ferramenta na construção de seus conceitos. Isto é, o pensamento. De modo que todos os crentes, até mesmo o mais simples deles, quando estão evangelizando ou ensinando sobre Deus ao seu próximo, de modo geral ele está fazendo teologia. A questão é fazê-la de forma responsável!

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    3. é verdade. Faz-se teologia sem nem mesmo saber que estão fazendo.

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  3. "Não seria nenhum absurdo prever que o cristianismo reformado, dentro de pouco tempo se submeterá a uma nova reforma."

    Um novo pentecoste, aonde o fogo do Espírito queime os nossos corações de tal maneira que venhamos a viver como Cristo e sejamos o seu bom perfume, para que o mundo creia.

    Só o que vivenciamos, não nos deixa dúvidas...
    Abraço querido.

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    1. Gui, como disse o Edu certa vez: "a utopia é de muitos e de poucos".

      Mas sua frase incompleta no final deixa claro seu desânimo nessa perspectiva.

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    2. Concordo que a experiência fala mais alto do que construções teológicas. Mas Gui, infelizmente também é possível que alguém esteja absolutamente certo que uma dada experiência que teve é produto de uma fonte quanto na verdade a fonte é outra.

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    3. Doni, a coisa foi que pontuei errado. Eu queria dizer que o que vivenciamos é o único meio, de não termos dúvidas. O meu único desânimo, é não confiar mais, para experienciar mais. rsrs


      Edu, é possível, mas eu tenho que ter certeza que não é o meu caso. E disto eu tenho absoluta! rsrs Falo por mim e já tive provas também de que outras pessoas provaram experiências com Deus.

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  4. Doni, Parece que funciona assim:o importante da fé cristã é que jesus morreu por nós. Se eu aceitei e ganhei o céu o que mais eu posso querer? Refletir..filosofar parece denunciar uma mente que não está plenamente satisfeita com a verdade do evangelho, e quem quer ser esse insatisfeito?
    Abraços. Fica com Deus.

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    1. Mari,

      O teólogo além de se apresentar como um guardião da verdade, ou da sua verdade pelo menos, é também um cientista e explorador. E como pesquisador, ele se "atreve" a fazer, cada vez mais a fundo, uma investigação analítica e crítica das fontes das verdades em vigor.

      Eu disse ao Franklin, que o grande problema que revela a necessidade de uma investigação epistemológica, reside exatamente em torno da questão "verdade absoluta". Cada tradição religiosa ou doutrinária toma para si a prerrogativa de serem portadores dela. Então cabe a alguém a responsabilidade de "investigar" com quem de fato está a tal.

      Seria muito bom Mari, se as coisas fossem simples assim!

      Abraços. Fica com Deus!

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    2. Doni, para mim tal investigação se mostrará infrutífera, já que eu entendo que ninguém tem pose da verdade absoluta; e quando alguém de uma tradição de fé vai investigar a teológica e a verdade de outra tradição, sempre o fará já baseado que a sua tradição é a verdade.

      aí, meu amigo, fudeu...(com a licença de tal feia palavra de baixo calão neste recinto tão acéptico e culto...rsss)

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    3. As coisa se tornam simples para aquele que consegue ver as verdades como estando todas no mesmo nível. Mas via de regra não é assim para o teólogo cristão.

      Eu penso Edu, que os limites da teologia continuam se expandindo e mudando, basta olharmos a história e veremos isso. Por esta razão, não podemos supor simplesmente que o conteúdo e os limites da teologia sejam "a verdade, tão somente a verdade e nada mais que a verdade".

      O labo teológico vai além desses limites.

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    4. Eu creio Mari, que hoje muita gente cresceu, muita mesmo e já não vivem mais este estacionamento absurdo.

      Beijo.

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